THEATRO SÃO PEDRO


Claudia Paixão Etchepare

Vejo o Theatro São Pedro ainda com o encantamento dos olhos de uma guria. Era uma guria de 10 anos, apenas feitos, quando lá entrei pela primeira vez. Senti uma sensação de estranheza quando ouvi minha mãe comentar com uma amiga que iríamos ao teatro naquele domingo. Imagina, criada no interior, meu maior espetáculo assistido, até então, tinha sido debaixo da lona do picadeiro do pequeno circo que visitara a minha região. Ficava observando, às escondidas, os afazeres rotineiros dos artistas e a lida com os animais.

O domingo finalmente chegou.

A Praça da Matriz lançava-se imponente contra o céu pincelado de rosa e cinza. Fazia frio naquele entardecer de outono. O assovio metálico dos seus freios de carros elegantes propagava-se no largo em frente ao teatro. Pequenos pés de madames projetavam-se para fora e, ao pisarem no solo, já havia a mão de um cavalheiro estendida em um gesto de cortesia.
A grandiosidade do prédio do Theatro São Pedro e o dragão rastejante nos degraus da praça povoaram o meu imaginário por muitos anos.

Conversas alegres preenchiam o espaço do foyer por onde meus sapatos de festa adentraram com a mesma reverência de quem pisa o solo da igreja. Homens e mulheres elegantemente vestidos - sobretudos cinza chumbo, casacos de pele, chapéus, luvas de pelica e colares de pérola. As mulheres exalando perfumes adocicados e almiscarados que me causaram um pouco de náusea. Os lábios vermelhos carmim da minha mãe sentenciaram que o nosso lugar era no camarote 8. Quis esboçar uma pergunta, mas somente assenti à sua informação com um breve movimento descendente com a cabeça. O que é um camarote? – minha voz tinha sido raptada.

Na hora de entrar deparei-me com uma escadaria de madeira escura e sóbria, seus degraus quase negros.
Subimos, um a um, expectativa e temor dividiam espaço no meu peito. O que nos esperava lá em cima? Minha mãe conversava com uma amiga vestindo uma echarpe de seda muito longa que teimava em lancear o meu rosto a cada degrau que galgávamos. Eu espiava de canto de olho os degraus vencidos, pernas trêmulas que pareciam curtas demais para a longa escalada. Um senhor vestindo luvas alvas como os seus dentes gentilmente distribuía livretos ao final da escada.
Caminhamos apressadamente por um corredor e pequenas portas arqueadas ficavam para trás enquanto seus números eram descartados com um sussurro da minha mãe.

Ao abrir a porta número 8, uma sacada com seis cadeiras dispostas em duas fileiras revelou-se. Debruçava-se sobre a plateia e quase podíamos tocar o lustre com pingentes de cristais que pendia da abóboda central. Nos sentamos como anjos nas nuvens a observar o ir e vir da humanidade. As feições das pessoas na plateia delineavam-se pouco a pouco e logo meus olhos descobriam os traços da estampa floral dos assentos de veludo vermelho. Vozes contidas evocavam uma litania sagrada e o cintilar de binóculos de madrepérola, aqui e ali, o piscar de estrelas.

Eis que a iluminação troca subitamente e os primeiros acordes de uma música soam majestosos. A encenação começa o seu desenrolar. Envolvida pelas falas melodiosas e a cadencia do espetáculo, sou arrebatada.

Engolida pela magia, como as feras das fábulas engolem suas presas e as expelem aos seus mundos originais, após viverem aventuras épicas em suas entranhas, não vi o tempo passar. Em um hiato de tempo similar a um piscar de olhos o espetáculo encerrou-se e, de mãos dadas com a mãe, encontrei –me no topo da escada.

Ao descer a escadaria de degraus quase negros, desta feita, senti uma doce leveza. Minhas pernas pareciam flutuar na cadência dos pulos do meu coração.

Naquele dia, criei asas.

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Claudia Paixão Etchepare

E-mail: claudia.paixao.etche@gmail.com

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