TWIST E A CHUVA


Claudia Paixão Etchepare

A casa onde eu morava no interior parecia enorme na perspectiva de minha frágil figura. O quartinho dos fundos, adjacente ao prédio da casa, era meu refúgio para brincar de bonecas.

Uma trovoada anunciou a chuva e o gato Twist voou como um foguete para dentro do quartinho. Eu devia ter por volta de 5 anos, porque aos 6 mudei com a minha família para a capital. O barulho da chuva no teto de zinco tomou conta de todos os cantos quando a tromba d’água caiu. No estilo de vida interiorana as amplitudes generosas permitem mais intimidade com a chuva, os lugares são menos vedados e as gotículas pairam no ar infiltrando-se pelas frestas e espaços.

Nossos corações batiam sincronizados, a ansiedade do confinamento invadindo-nos. Sentamos no velho sofá que havia sido descartado da casa, com uma mola projetando-se para fora do tecido. Uma brisa fresquinha me fez puxá-lo para perto do meu corpo; Ele ficou ali, juntinho, meio a contragosto, ronronava de prazer, mas não perdia a soberba.

O cheiro da terra precipitou-se ao receber as primeiras rajadas de pingos e o aroma de mato invadiu as minhas narinas e rufou suavemente as barbas olfativas do gato. Vinha do pátio, cuja porção posterior tinha uma densa concentração de árvores e era delimitada por um muro baixinho, que dava para o pátio do vizinho dos fundos. (Recentemente encontrei a filha destes vizinhos que se identificou como sendo a amiga que brincava comigo por sobre o muro dos fundos da casa. Nossas vozes de meninas, rindo e conversando alegremente, ecoaram na minha cabeça.)
O abacateiro frondoso exalou cheiro de fruta madura - senti o gosto do creme de abacate que logo comeríamos de sobremesa no jantar. Neste abacateiro meu pai havia colocado uma madeira afixada como um largo assento em um dos seus galhos e esta era a nossa ‘casa na árvore’. Tico e Teco, os quero-queros criados soltos no pátio, piaram nos primeiros segundos e depois silenciaram-se. Acho que vi as pernas longas e finas de um deles se protegendo embaixo de uma folha da bananeira.

A certa altura, Twist resolveu fazer uma incursão exploratória pelo quartinho, inspecionando as caixas empoeiradas entre móveis velhos, aparelhos quebrados e essas bugigangas de quartinho dos fundos. Subindo e descendo em tudo o que podia empoleirar-se, mantinha um olhar furtivo em direção à janela, planejando a rota de fuga, eu suponho.

O tempo parecia uma eternidade na minha pueril noção de tempo. Senti um aperto no peito e estava quase a ponto de chorar quando um relâmpago iluminou a parede oposta da janela, seguido de um estrondo. Twist se debateu em zigzag pelas paredes em voos acrobáticos. Então, ouvi um barulho como se alguém estivesse forçando a janela. Me encolhi no sofá, joelhos junto ao peito e braços agarrando-os.

De repente, minha mãe escancara a porta do quartinho vestindo uma capa de chuva com capuz cinza chumbo e exclama: Graças a Deus tu estás aqui!

Eu e o Twist somos resgatados.

Percorri os poucos metros até a casa parcialmente protegida pela capa da mãe, segurando o Twist em um abraço desengonçado, suas pernas traseiras abertas, balançando.

Fim da aventura. Começo de uma deliciosa lembrança.

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Claudia Paixão Etchepare

E-mail: claudia.paixao.etche@gmail.com

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